Sou fã do Top Gear, o programa de automóveis da BBC. Gosto particularmente do sentido de humor e da irreverência: o programa é bastante divertido e os veículos são apenas um elemento ao serviço da paródia. Entre outras rubricas, os episódios têm normalmente uma reportagem num qualquer lugar do mundo. Do Vietname ao deserto do Kalahari, do Japão ao Pólo Norte, meio mundo já foi palco das inúmeras aventuras e desventuras.
Uma destas reportagens mais curiosas tem lugar relativamente perto de nós, já aqui ao lado em Espanha: munidos de brutos carrões, os três apresentadores partem de Gibraltar com o objectivo de chegar a Madrid. Muito do que se passa neste percurso é um retrato interessante dos anos de construção desenfreada e da febre do imobiliário em Espanha.
O primeiro contacto com essa realidade acontece quando resolvem entrar numa povoação à procura de um café para fazer uma pausa. O que vislumbram deixa-os de boca aberta: a povoação está completamente deserta. Blocos de apartamentos novos sucedem-se, casas umas atrás das outras e não se vê vivalma. As infraestruturas públicas necessárias – ruas, iluminação, passadeiras – estão todas preparadas e, no entanto, não há rigorosamente ninguém nas ruas. Um dos apresentadores siderado diz: «quando ouvimos falar destas cidades fantasma pensamos que não existem realmente».
A viagem prossegue numa auto-estrada praticamente deserta. Mais perto de Madrid, surge uma indicação de um aeroporto e seguem-na. Novamente são confrontados com uma imagem desoladora. Os parques de estacionamento, os terminais, tudo vazio. Entram no edifício, brincam com os monitores dos balcões de check-in, com as casinhotas dos seguranças, fazem corridas com cadeiras de rodas. E depois fazem-se à pista, em pulgas, como miúdos de volta das prendas na véspera de Natal. O objectivo é atingir a velocidade máxima dos seus carros na longa faixa de alcatrão em linha recta que têm à sua total disposição.
Com vontade de saber mais qualquer coisa por detrás deste verdadeiro elefante branco fiz uma busca na internet. O aeroporto em causa fica em Ciudad Real, localizada a cerca de 160 quilómetros de Madrid e com uma população a rondar os 70 mil habitantes. Foi nesta localidade que foi decidido construir um aeroporto projectado para dez milhões de passageiros por ano. Tem uma pista de quatro quilómetros, comprimento suficiente para aterrar o enorme Airbus A380. Abriu em 2009 e fechou em 2011. Está neste momento a ser leiloado por cerca de 100 milhões de euro. A construção rondou os 1000 milhões. Pior: este não é o único aeroporto espanhol em condições semelhantes.
Ao acabar o dia, com os três apresentadores de volta aos respectivos carros, surge a maior caricatura de todas: um deles sugere que, ao invés de procurar um hotel onde passar a noite, porque não pura e simplesmente usar uma das casas vazias? A sugestão é aceite. Percorrem novamente as ruas completamente desertas em busca daquela que gostam mais. A reportagem termina com uma paella ao lume num fogão improvisado e uma discussão acesa sobre qual dos carros é o melhor.
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