terça-feira, 4 de março de 2014
Não sabia que guardava isso tudo.
Não sabia que estava tudo dentro dele, algures, numa gaveta, num buraco. Sem dar por isso. Por isso no momento inicial em que, de repente, tudo começou a saltar cá para fora incontrolavelmente, ficou atónito. Uma surpresa. Primeiro não teve reacção. Depois reagiu tentado acabar rapidamente, bruscamente. Ficou incomodado, ficou quase chateado por não conseguir pôr um fim àquilo, por não conseguir fechar novamente a porta e pôr as coisas no lugar devido, na tal gaveta, no tal buraco e regressar ao normal. Como se quisesse varrer todo o lixo novamente para debaixo do tapete de onde tinha saído. Deu por si envergonhado: viu-se exposto, aberto, retalhado. Translúcido. Imaginava os outros a olhar para si – a olhar através de si – a verem tudo e, ao mesmo tempo fingindo, à sua frente, não ver nada. E depois comentando uns com os outros nas suas costas. E então já não valia a pena, deixou a frustração instalar-se progressivamente. A irritação essa ganhou uma forma diferente: uma irritação surda e rancorosa. Uma irritação que guardou só para si – numa gaveta num buraco. Sem dar por isso.
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