Só quando entrámos na sala onde uma montra enorme expõe os montes de cabelos humanos – usados para fazer roupa – é que comecei a sentir a angústia. Um nó na garganta, uma dor. Que não tinha sentido ao olhar para as montanhas de óculos e de outros utensílios pessoais, como escovas e pentes. Depois disso, a parte pior: uma sala com roupas de criança, sapatos de criança. Aí senti a necessidade de afastar a cara daquele inofensivo vidro que guarda o maior dos horrores. Fui surpreendido com a forma como tudo aquilo me atingiu. Afinal, sabia ao que ia e sabia perfeitamente o que ia encontrar. Já tinha visto na televisão, já me tinham explicado, já tinha ido a outro campo de concentração. Mas há coisas para as quais simplesmente não nos podemos preparar de antemão, como a morte de alguém próximo.
É uma visita guiada de três horas, a maior parte das quais passada em Auschwitz propriamente dito – o campo original – e cerca de uma hora em Birkenau – o segundo campo construído para expandir o primeiro e albergar o extermínio. A guia tem um microfone na lapela e nós ouvimo-la através de uns auscultadores ligados a um pequeno receptor que se pendura ao pescoço, para ser mais fácil de seguir a explicação no meio da confusão. Tem uma voz doce e suave que, de vez em quando, treme nos momentos mais difíceis. É, a guia sofre connosco. Sofre enquanto nos desbobina a mesma lengalenga que já desbobinou a inúmeras outros turistas. O que é curioso: seria de esperar que já estivesse relativamente imune como um médico que já viu demasiadas doenças e mortes.
A questão dos campos de concentração é a incompreensão. E é a interrogação. Perceber como é que pessoas podem fazer aquilo umas às outras. Não se esqueçam – diz-nos a guia – que foram pessoas como eu e vocês que fizeram isto. E isso acarreta ainda mais interrogações, ainda mais duras e que são a verdadeira provocação. Será cada um de nós capaz de fazer algo de semelhante se estivesse inserido no mesmo contexto que estes alemães? Capaz de tamanho ódio e desprezo se for ensinado a cultivá-lo? A psicologia das multidões funciona contra a nossa resposta preferida mas eu não a consigo aceitar.
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