sábado, 31 de março de 2018

Sôtôr

Sobre a proposta para alterar o título como nos dirigimos a médicos para poder distinguir os cursos que frequentaram: os de medicina convencional podem permanecer como doutores, tal como até agora, enquanto os da medicina tradicional chinesa podem passar a ser doutoles.

sexta-feira, 30 de março de 2018

Em miúdo ensinaram-me que não se deve dizer hall de entrada porque é um pleonasmo

Todos os halls são de entrada, diziam-se, uma afirmação que me causava confusão porque, não poucas as vezes, a entrada também serve de saída. Mais: e o facto de que também se almoça na sala-de-jantar?

quarta-feira, 28 de março de 2018

segunda-feira, 26 de março de 2018

Parêntesis

Usamos parêntesis quando queremos acrescentar informação acessória, lateral ou secundária. Temos até a expressão "fazer um parêntesis" para afastamentos ao tema principal de uma dada conversa, como se fossem assuntos paralelos (às vezes perpendiculares) ao que está a ser discutido. Em matemática é exactamente o contrário: os parêntesis, sobrepõem-se, anulam todas as precedências anteriores (por exemplo, da multiplicação face à adição) e tornam-se eles próprios precedentes.

sábado, 24 de março de 2018

Octane-fuelled octave and a half

«That it is sung to a tune more suited either to a drunken karaoke night in downtown Tokyo, or perhaps the finale to a Verdi opera as a fat lady dies of consumption, is not the point. It is not the fault of the great American public that their anthem has an octane-fuelled octave and a half to it. It is regularly mangled at baseball, basketball and 'football' games by someone who won a Little League competition the year before and gets to destroy it by pitching their voice too high or too low. It is such a complex mix of chord changes that if you start wrong, you will finish wrong.»

Worth dying for, Tim Marshall

quinta-feira, 22 de março de 2018

Execução

Quando por vezes se diz que determinado intérprete está a executar uma peça de música, parece mesmo que está a matar as notas uma por uma.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Meio

No futebol, há jogo aéreo mas não há terrestre. E há o Marítimo.

segunda-feira, 19 de março de 2018

sábado, 17 de março de 2018

Roubo

«Later, over cigarettes and coffee, Perry returned to the subject of thievery. 'My friend Willie-Jay used to talk about it. He used to say that all crimes were only "varieties of theft". Murder included. When you kill a man you steal his life. I guess that makes me a pretty big thief.»

In cold blood, Truman Capote

terça-feira, 13 de março de 2018

Jubileus

«Surpreendo-me por ter conseguido terminar isto em segurança e diversas vezes pensei: não me vão permitir.
Termino-o num ano memorável, de duplo jubileu (e dois jubileus ligados entre si): 50 anos da revolução, que criou o Arquipélago, e 100 anos da invenção do arame farpado (1867).
O segundo jubileu passará por certo em silêncio...»

Arquipélago Gulag, Aleksandr Soljenítsin

segunda-feira, 12 de março de 2018

Merecido

«Kornfeld termina o seu relato assim:
- E de um modo geral, sabe, convenci-me de que neste mundo nenhum castigo nos calha sem ser merecido. Pelos vistos, ele pode não ocorrer por aquilo de que somos realmente culpados. Mas se examinarmos a vida e reflectirmos profundamente, encontraremos sempre o nosso crime, em paga do qual o golpe nos vem agora atingir.»

Arquipélago Gulag, Aleksandr Soljenítsin

domingo, 11 de março de 2018

Mentira

«E se os vossos filhos ainda são pequenos, é preciso decidir a maneira mais segura de os educar: apresentar-lhes desde logo a mentira como verdade (para que lhes seja mais fácil viver) e nesse caso mentir sempre mesmo na presença deles; ou dizer-lhes a verdade, com perigo de que eles tropecem e falem de mais, e portanto explicar-lhes logo que a verdade mata, que fora de casa é necessário mentir, mentir sempre, como fazem o pai e a mãe.»

Arquipélago Gulag, Aleksandr Soljenítsin

sábado, 10 de março de 2018

domingo, 4 de março de 2018

Uma fonte de música chamada (Carlos) Bica

(Publicado originalmente aqui)

Passa um bom quarto de hora das 21h30 quando as luzes da plateia do Grande Auditório da Culturgest se apagam e três vultos de preto surgem do lado esquerdo do palco. Assumem as posições enquanto do público chovem palmas de boas-vindas. Carlos Bica oferece o que me pareceu ser um lá a Daniel Erdmann para que este pudesse afinar o seu saxofone em conformidade. Ao mesmo tempo, DJ Ilvibe – nome artístico de Vincent von Schlippenbach (ora repita três vezes rapidamente) – retirava um vinil da respectiva capa e colocava-o no prato do gira-discos e, em seguida, repetiu o gesto para preparar o segundo gira-discos.

É (altamente) provável que esta seja uma formação totalmente inédita. Um cocktail de instrumentos muito pouco ortodoxo. Uma salada de frutas. Uma salsada a fazer lembrar as misturas de iguarias que se fazem nos brunchs, ao fim-de-semana, que, de outra forma, em qualquer outra refeição, nunca se encontrariam no mesmo prato.

Uma troca de olhares, com um toque de cumplicidade, entre os três pares de olhos e as primeiras notas do primeiro tema fazem-se ouvir. No contrabaixo, Bica vai construindo uma quasi-secção-rítmica, linha sobre linha (sobrepostas, paralelas?), usando um pedal de loop, um efeito que, de certa forma, parece aproximar o seu som, tornado metalizado, do do gira-discos.

O segundo tema tem como título uma referência a um programa de televisão alemão que se debruça sobre crimes não-resolvidos – XY ungelöst. Um dois, um dois três quatro e os músicos arrancam com uma linha melódica forte, carregada de ritmo. No decurso desta música, dedicada a mistérios criminais, assisto pela primeira vez (pelo menos não me recordo de outra circunstância) a um solo de DJ.

Ao longo da hora e meia de música, é interessante atentar à interacção dos diferentes instrumentos. Se observamos amiúde o contrabaixo a cumprir um papel mais próximo do que normalmente associamos à sua função tradicional, por outras vezes também assistimos ao saxofone a fazer as vezes de baixo, deixando Bica solto para tocar melodias nas cordas espessas, algumas vezes de arco em riste. Noutras circunstâncias, o som de uma bateria oriundo dos vinis de DJ Ilvibe funciona como apoio rítmico do trio, enquanto noutras as vozes e o scratch têm um papel mais activo e menos de suporte.

O último tema do set tem um nome que, se o meu francês não me deixa ficar mal, é qualquer coisa como “fais ce que tu veux, mais fais le bien”, findo o qual, no meio das palmas, uma voz feminina com sotaque nortenho, algures atrás de mim, exclama efusivamente “Bica, és o maior”. O trio acabaria ainda por regressar para o tradicional encore.

No final, ao presenciar o agradecimento da praxe – os músicos dirigem-se ao extremo do palco e fazem umas quantas vénias – recordo as palavras de Bica, transcritas no folheto oferecido à entrada para o concerto, que li enquanto esperava pela abertura das portas: “Imagino este trio como três vértices de um triângulo”. Curiosamente, a imagem que me vem à cabeça é bastante mais prosaica e, inclusivamente, parva. Dois tipos altos separados por um mais baixo no meio, todos vestidos de preto ou perto disso, fazem-me lembrar um galheteiro.

Há pouco que possa acrescentar ao que já sabemos de Carlos Bica que, com o seu contrabaixo, percorreu inúmeras estradas, caminhos e trilhos. Mais do que isso, em alguns casos, desbravou ele próprio esses caminhos e trilhos, e este trio é certamente um bom exemplo do papel inovador e explorador do músico português. Por isto, parece-me apropriada a analogia de Bica como uma fonte donde jorra música. A potes.

sábado, 3 de março de 2018

Correlação negativa

Os sinais exteriores de riqueza andam, muitas vezes, de mão dada com sinais extrema pobreza interior.