sábado, 31 de agosto de 2013

Lisbon menina e moça

Se o toque de solteirona assenta bem com o resto da caracterização – uma certa  aura de insegurança e na dedicação ao emprego –, então para gerar uma constante tensão com Jane vem mesmo a calhar, é ouro sobre azul. Uma tensão daquelas que se prologam ad eternum neste tipo de séries e que nos levam a querer que a certa altura aquilo se resolva da melhor forma (o que quer que seja que isso queira dizer).

O que é verdadeiramente interessante é que o fascínio dela por Jane não tem nada a ver com o facto de ele ser um homem fascinante – a irreverência e aquela coisa de ler e manipular pessoas, etc.. Não que essas características lhe sejam indesejáveis – ela gosta mesmo quando é ela própria vítima da manipulação.

Mas nada disso é tão importante como o facto de que um serial killer, que continua à solta (show must go on), arrumou a família toda do mentalista. Compreensivelmente (e, lá está, convenientemente para o guião) Jane vive obcecado com a captura do assassino. Dito de outra forma, Jane é damaged goods e isso assenta lindamente com  a comiseração e o instinto (maternal?) da Lisbon.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O corredor longo, escuro.

As portas azuis, sujas. As portas são iguais umas às outras, tanto dá abrir esta ou seguir pelo corredor e abrir antes aquela, lá dentro está a mesma secretária, o mesmo computador, a mesma pilha de papéis. Lá dentro – da porta azul escura, de qualquer das inúmeras portas azuis escuras – está a mesma pessoa. Não importa que porta se escolha, se abra, se entre. Qualquer das portas azuis escuras do corredor longo e sujo abre-se para o mesmo.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Closure

O teu problema não é não teres um futuro, é não teres um passado.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Perspectiva

A janela está à altura da rua, a uns vinte centímetros do passeio. Tem talvez meio metro, é arredondada no topo. Às vezes passo e vejo a senhora lá em baixo, por entre o cortinado branco, a espreitar, de baixo para cima. A janela abre directamente para as pernas das pessoas que passam na rua. E esta a vista daquela janela, as pernas das pessoas que caminham lá em cima, na rua, no passeio.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Bicéfalo

O principal problema da maior parte das histórias de amor é a unilateralidade. O segundo maior problema é a bilateralidade.

domingo, 25 de agosto de 2013

Monotemático

«There’s so few things men can talk about. If a man doesn’t like baseball, then he must like horses, and if he doesn’t like either of them, well, I’m in trouble anyway: he don’t like girls.»

Breakfast at Tiffany’s, Truman Capote

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Pontos de interrogação

Os espanhóis não são capazes de responder a nada ou ninguém sem contestar. Já os franceses e os italianos transformam uma simples pergunta numa demanda.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Num livro de crítica literária, este manifesto.

"Um dos Maiores et Cetera da Actualidade - Armando Mendes Fulano, um dos grandes expoentes da, promete ser o grande fenómeno do. Um dos maiores et cetera da actualidade. O melhor romance desde tal e tal, ou até mesmo desde não sei quando. Um «fresco», um «panorama», um «retrato cínico» da «sociedade contemporânea». Um estilo fortemente «marcado pela influência de» X, Y e Z. A escrita é «depurada». A imaginação é «fecunda». A trama é «compulsiva». A ironia é «fina». O humor é «corrosivo». Os diálogos são «acutilantes». A densidade é «psicológica». A obra é «notável». O autor é «exímio». O leitor é informado. O crítico pode ir para casa. Estamos todos de parabéns.

Nas suas piores manifestações, a recensão crítica encontrada na imprensa portuguesa não costuma fugir muito a isto."

Trabalhos de casa, Rogério Casanova

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Venha o diabo e escolha

Era cleptomaníaco e agoráfobo. E então roubava à descarada com a esperança de ser apanhado e devidamente encarcerado.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Propósito

«Nada é tão perigoso como teres cumprido todos os teus deveres do dia e ainda ser manhã, teres cumprido todos os teus deveres na vida e ainda não estares morto.»

Breves notas sobre o medo, Gonçalo M. Tavares

domingo, 18 de agosto de 2013

Tenho um gosto especial pela personagem da Diane na série The Bridge.

E nem sequer é estético, pese embora a fotografia infra. Sonya é desprovida de qualquer tipo de social skills, não tem inteligência emocional – ocorre-me que é a primeira vez que diplomaticamente apelido alguém de burra emocional (não que já o tenha feito sem diplomacia alguma). Tem a sensibilidade de uma porta, a subtileza de um camião TIR. As pessoas são-lhe incompreensíveis, um autêntico mistério e ela própria consegue deixar os outros siderados, especados. Após a necessária adaptação inicial a alguém tão inadaptado, julgo que deve ser muito fácil, tão fácil lidar com uma Sonya. Porque a simplicidade, a incapacidade de tacto – de empatia? – torna-a antecipável como um relógio suíço. E genuína dos dedos dos pés à ponta dos cabelos, de uma forma que nenhum de nós, por muito que quisesse, conseguiria ser. Ao contrário de todos nós, Sonya vem acompanhada de um manual de instruções. A sua função pode é não ser aquela de que precisamos.

sábado, 17 de agosto de 2013

Mais pérolas do Meco

"Oh meninas do Meco, as bolas do Manel são boas como o caneco"
"Que casal tão amoroso, qual deles será mais guloso"

Claro que depois de passar um artista destes, os típicos vendedores que se limitam a dizer "olha a bola de Berlim" não sobressaem.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Tinto e branco

Vinho branco com peixe, vinho tinto com carne e bacalhau. E os vegetarianos, como fazem? Qual é a regra para acompanhar soja, tofu?

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Bartoli

O Nadal deu uma entrevista quando se preparava para regressar ao circuito depois da paragem forçada em 2009. Foi no seguimento da (única) derrota em Roland Garros que teve e abdicou de ir defender o título de Wimbledon que tinha conquistado o ano anterior. Nessa entrevista - ao lado da piscina e com uns sapatinhos duvidosos - fala abertamente sobre o processo de recuperação e, a certa altura, refere a importância de saber desfrutar da dor. Não estou a dizer que a Marion a devesse ter visto com mais atenção (“Senti que esgotei toda a energia que restava no meu corpo”) - cada um sabe de si. Mas atesta bem a determinação (masoquismo?) do rapazinho.

Maybe you'll get what you want this time around

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Angst

Mark tem uma compulsão, um fascínio pelo medo. Do you know what the most frightnening thing in the world is? It’s fear. Gosta de explorar e documentar com a máquina de filmar. A Helen diz-lhe que não lhe mostre que está assustada. Don’t let me see you’re frightened. Não conseguirá conter-se caso veja os traços na cara dela, a mesma cara que prometeu nem sequer fotografar. Whatever I photograph I always lose. Se até aqui o fascínio é apenas com o medo alheio, no fim percebemos que é também pelo próprio.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Rasgão

No domingo, a bandeira no topo do Parque Eduardo VII estava rota: um rasgão enorme entre a costura da esfera armilar com o rectângulo vermelho, aquele que nos explicam na escola primária que simboliza o sangue. Hoje já está novamente remendada.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Verdade e métodos

«As tuas verdades e as tuas conclusões científicas encontram-se directamente ligadas às tuas metodologias.
No absoluto nada é verdade. Cada coisa é verdade de acordo com uma certa metodologia.
Todas as hipóteses podem ser verdade pois podemos encontrar uma metodologia que as faça verdadeiras.
– Dá-me uma mentira e eu encontrarei a metolodogia capaz de a transformar em verdade.
O oposto é ainda mais fácil:
– Dá-me uma verdade e eu encontrarei a metodologia capaz de a transformar numa mentira (num erro).»

«Uma verdade (uma lei) não exterioriza o consenso da comunidade científica sobre uma conclusão. Exterioriza, sim, o consenso da comunidade científica sobre uma metodologia.
Esta diferença é importante.»

Breves notas sobre a ciência, Gonçalo M. Tavares

sábado, 10 de agosto de 2013

Raquetada na atmosfera

Andam para aí umas raquetes que não servem para jogar ténis – ou qualquer outro tipo de actividade desportivo-lúdica que consista em acertar numa bola. Fui alertado há dias para a sua existência: são, ao que parece, uma invenção chinesa com o intuito de matar mosquitos. Só há dias pude comprovar que não se trata de um mito urbano. Sentado à mesa de um restaurante sino-japonês – buffet de sushi e comida chinesa, chá verde e gorjeta superior a dez por cento do montante pela módica quantia de dez euros – quando vejo uma das senhoras orientais e de pronúncia impossível a dar raquetadas no ar. A primeira sensação é de que se trata de um musculado e viril jogo de wii. Movimentos repentinos, acutilantes, rápidos. E aparentemente também certeiros. Acontece que, sempre que o alvo é abatido, um som crocante anuncia a morte do insecto urbi et orbi. Foi esse mesmo som que me fez relembrar o relato da existência das ditas raquetes e afastou da minha mente a possibilidade da consola de jogos. (Teria sido giro no entanto observar aquela actividade sem que me tivesse sido transmitida anteriormente a existência do objecto.)

Não sei se a raquetes estão na moda mas é provável. Há dias, numa rua onde uma horda de funcionários de um call-centre costuma estacionar a fumar como se não houvesse amanhã, dois deles entretinham-se a jogar com raquetes de praia no passeio. O desafio (ou compromisso como dizem na Eurosport) decorria para júbilo e gáudio de alguns dos demais colegas e para irritação e indignação (onde é que já se viu, disse a senhora que ia à minha frente) de transeuntes que, como eu, viram a sua migração pendular não-motorizada dificultada e, porque não dizê-lo, a própria existência ameaçada por uma bola de borracha escura em manifesto excesso de velocidade.

Ainda bem que sobrevivi porque tudo isto me leva a pensar noutra possibilidade de combinar todos estes elementos – jogar com as raquetes de matar moscas na praia. No actual contexto, mais do que um divertimento estival, parece um desígnio nacional.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

I wish things were different

Olha bem para o que estás a dizer. Olha bem. Pensa bem. Pára um pouco para pensar naquilo que estás a dizer.
Já olhaste bem para o que estás a dizer?
Já perdeste um bocado de tempo para parar e olhar? Se calhar devias mesmo parar um bocado, pensar um bocado, reflectir um bocado naquilo que acabaste de dizer. As pessoas esquecem-se que as palavras têm muita força
Já paraste para pensar naquilo que estás a dizer?
Já viste bem o que tu disseste? Acho que devias parar um bocadinho para pensar. Pensa lá bem um bocadinho se era mesmo isso que querias dizer, que me querias dizer. Pensa lá bem se não te vais arrepender, se é que não te arrependeste já
Já estás arrependido?
Pensa bem. Pára. Olha bem.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Appreciation

Cabelos loiros, encaracolados, o vento a bater nas árvores, a agitar os ramos, o som das folhas a arrastadas
Vermelho, azul, amarelo
Um avião lá em cima, o som do avião que passa por cima das cabeças, o fumo de um cigarro fumado a algumas cadeiras de distância, o fumo a dispersar-se no ar, o cheiro
O vento a agitar os cabelos loiros, encaracolados
Lá menor
Reverberação, um vibrato, um crescendo de volume, de som, de intensidade
Um pé a bater no chão, a marcar a pulsação, as cadeiras de pedra, as árvores lá ao fundo, o gato que desce as escadas com o corrimão de madeira
Vermelho, amarelo, azul

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Hush little baby

Disse-lhe que nem sequer era pela dor, a angústia, as lágrimas – é uma questão de tempo até o coração partido voltar a refazer-se. Era, pura e simplesmente, uma pena, um desperdício.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Boredom

«- Escreve como escreve porque essa é a maneira mais fácil para si, ou porque obras tão difíceis de ler são igualmente difíceis de criar?
- Bom, como tentei deixar claro, se o trabalho não me fosse difícil o certo é que morreria de tédio.»

Chet Baker pensa na sua arte, Enrique Vila-Matas

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A tua cara.

Como se esperasses mais qualquer coisa. Como se tudo não fosse mais do que uma negociação, um constante subir de paradas, um eterno jogo do gato e do rato. Não percebeste que não há licitações: não se trata de querer vender seja o que for. Nem sequer de convencer seja o que for. E por isso pensas que é bluff. Infelizmente. Mas não é, nunca foi. E nem sequer isso – a única coisa de que efectivamente te tento convencer – te consigo vender.