Há um hábito muito comum neste país de falar indirectamente e enviar recados. Como se estivessem a trocar informação confidencial através de um canal seguro com sistemas de encriptação, cujo código que permite decifrar a mensagem só o feliz destinatário possui. Ou seja, como uma espécie de jogo de espionagem.
É possível que esta prática tenha algumas virtudes: este tipo de discurso nas entrelinhas cria imenso emprego nos meios de comunicação social a uma séries de indivíduos com a categoria profissional de “comentador” que passam a ter a oportunidade de desenvolver uma actividade que poderia ser descrita como o descortinar da verdadeira motivação por detrás das palavras proferidas. Mas tem seguramente a desvantagem de gerar confusão, ruído, indecisão.
Esta última semana, o Presidente da República veio fazer uma comunicação onde, entre outras coisas, se referiu à necessidade dos investimentos feitos no âmbito da actual conjuntura económica terem uma preocupação acrescida com alguns aspectos como, por exemplo, a utilização de mão-de-obra nacional e menor recurso a bens importados. De imediato, soundbytes do tal coro de vozes que se dedica a escalpelizar as palavras de pessoas importantes surgiram a indicar-nos que se tratava de uma reacção negativa ao anúncio do Primeiro-Ministro, que surgiu um dia antes, no qual foi frisado que os grandes investimentos públicos – o aeroporto do Alcochete e a linha de TGV entre Lisboa e Madrid – seriam efectivamente para levar a cabo.
Ora este coro de vozes pode ter toda a razão do mundo e, muito certamente, tem-na mesmo: também considero altamente provável que o Cavaco tenha aberto a boca com essa intenção. Agora, o que eu gostava mesmo é que o próprio se antecipasse aos comentadores e indicasse qual o verdadeiro alcance da sua comunicação. Nesta e em qualquer outra que faça. E, já que estamos nisto, que dissesse se não demite este Governo porque acha que não o deve fazer ou se só não o faz porque pensa que uma acção dessas terá um impacto negativo nas suas aspirações a um segundo mandato nas eleições presidenciais do ano que vem.
E daí, se calhar não é assim tão importante que faça esse esclarecimento, escusa de se dar ao trabalho. Afinal, a esmagadora maioria dos comentadores que para aí tenho ouvido apostam no segundo motivo.
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