domingo, 31 de maio de 2020
Prisão domiciliária - 82º dia
O desconfinamento nota-se na queda significativa do volume de piadas partilhadas
sábado, 30 de maio de 2020
sexta-feira, 29 de maio de 2020
quinta-feira, 28 de maio de 2020
Vertu
«(...) ce n'est pas que la richesse sans plus, la richesse sans la vertu, fût aux yeux de Françoise le bien suprême, mais la vertu sans la richesse n'était pas non plus son idéal. La richesse était pour elle comme une condition nécessaire de la vertu, à défaut de laquelle la vertu serais sans mérite et sans charme. Elle les séparait si peu qu'elle avait fini par prêter à chacune les qualités de l'autre, à exiger quelque confortable dans la vertu, à reconnaître quelque chose d'édifiant dans la richesse.»
Le côté de Guermantes, Marcel Proust
Le côté de Guermantes, Marcel Proust
quarta-feira, 27 de maio de 2020
Prisão domiciliária - 78º dia
À chegada ao supermercado, duas senhoras aguardavam a sua vez de entrar, algo que, normalmente, não acontece a esta hora matinal. Permaneci na fila, atrás delas, respeitando a distância protocolar, até, pelas portas automáticas, sair a pessoa que me deu o seu lugar. Entrei, coloquei nas mãos o desinfectante fornecido à entrada e segui esfregando-as, preparando-me para começar o monótono processo das compras, tentando navegar pelo espaço exíguo sem me aproximar demasiado dos outros e, ao mesmo, sem deixar que os outros se aproximem demais de mim. Alguns minutos depois, após ter passado a secção das frutas e legumes, onde normalmente dedico uma grande parte de todo o tempo empregue no abastecimento alimentar, apercebo-me que me esqueci de ajustar a máscara a tapar a boca e o nariz: ainda está como saí de casa, ao queixo, onde a deixo até entrar em sítios fechados, para minimizar o desconforto. Não há rigorosamente nada estranho com o meu esquecimento; ao invés, é absolutamente inacreditável que ninguém me tenha chamado a atenção, de forma escandalizada, para a minha falha.
terça-feira, 26 de maio de 2020
Version N.0
O populismo de Steve Bannon, segundo o próprio, só é, ao fim do dia, diferente do da esquerda de Bernie Sanders na medida em que apresenta soluções distintas. Na génese, ambos identificam correctamente o mesmo problema: o actual sistema capitalista de oligarcas e servos (servos russos, para ser mais preciso). Não consigo perceber se Marx estará a anuir ou a dar voltas na campa.
domingo, 24 de maio de 2020
Être dans les choux
Van Gogh enveredou pela pintura depois de ter chegado à conclusão que não tinha grande ouvido para a música.
sábado, 23 de maio de 2020
Embaixada da língua
Se a embaixatriz é a esposa do embaixador, então actriz devia ser a mulher do actor. Já a mulher que impera deveria ser a imperador e a que representa deveria ser actora. Analogamente, o esposo da embaixadora deveria ser o embaixatriz, o da imperadora deveria ser o imperatriz e da actora o actriz.
sexta-feira, 22 de maio de 2020
Prisão domiciliária - 73º dia
Em Roma sê romano: coloquei duas salsichas bojudas na frigideira quente, ao mesmo tempo que um bocado de arroz fervia num pequeno tacho. As salsichas têm um formato arredondado, o que faz com que repousem naturalmente em alguns lados e outros fiquem naturalmente sem contacto com a superfície quente. Para evitar que partes ficassem com uma coloração rosado-crua e outras escuro-carbonizada, fui ajeitando, de garfo e faca na mão, para forçar que o calor fosse uniformemente aplicado. Tarefa nem sempre fácil, uma vez que se tratava de duas e não apenas uma mas, devo dizer, estava a sair-me relativamente bem quando, já perto de um grau de fritura satisfatório, um som estridente e ensurdecedor (e enlouquecedor) se fez ouvir pelo apartamento, bem como, calculo, por toda a vizinhança.
Tratava-se do pequeno aparelho redondo, branco, colocado no tecto da sala, a que vulgarmente chamam detector de incêndio, e que gritava a plenos pulmões, com uma pequena luz vermelha a pulsar. Não tive muito tempo para aprofundar a profunda (pleonasmo à parte) falta de lógica: já fiz tanta coisa nesta cozinha com igual grau de frigideira, não se entende o porquê desta queixa súbita e histérica. Atravesso a sala de frigideira na mão (não tentem isto em casa), abro a porta que dá para varanda e ai coloco a fonte do sinistro, longe da fonte do ruído. De seguida abro todas as janelas possíveis e imaginárias (esta casa tem mesmo muitas janelas), abro a porta do quarto, que tinha fechado por causa do cheiro, e também aí escancaro as janelas e, finalmente, a porta da rua, para forçar uma corrente de ar.
O aparelho infernal não pára. Já a imaginar uma invasão de bombeiros, já a imaginar todo o género de explicações - juro que estava só a fazer o jantar, pode ver, ainda está na varanda, tem bom aspecto, não tem? Não senhor, não fumo! - reparo, repentinamente, que há um pequeno botão, uma espécie de uma patilha mesmo ao lado da irritante luz vermelha que pulsa freneticamente. Pego na cadeira, ponho-me em cima, e carrego naquela coisa em desespero de causa. O barulho continua. Carrego novamente, com mais convicção, com muita mais convicção, com a convicção de quem está farto desta chinfrineira e só quer o jantar que lentamente arrefece ao ar livre da varanda.
O aparelho infernal não pára. Desisto, salto da cadeira, quem te disse que aquela patilhazita é para se carregar, se calhar aquela porcaria daquele botão não serve para nada ou então serve para outra porcaria qualquer. Considero pegar nos papéis que me entregaram quando me mudei, com os contactos a utilizar em caso de emergência. Quando revolvo a cabeça à procura do local onde os guardei, sou obrigado a reconhecer que, de repente, tudo parece silencioso. Redirecciono a atenção da procura dos papéis para o aparelho infernal e reparo que se calou.
Pego na frigideira e ponho-a novamente na chapa, mais que não seja para voltar a aquecer as salsichas. Reparo que, na confusão, me esqueci do arroz, que começa a querer pegar ao tacho: retiro da chapa, mexo rapidamente e alegro-me por ver que não chegou a queimar. Ponho tudo no prato, onde já estavam os brócolos. Fecho quase todas as janelas e deixo só as que têm rede mosquiteira. Finalmente janto.
Tratava-se do pequeno aparelho redondo, branco, colocado no tecto da sala, a que vulgarmente chamam detector de incêndio, e que gritava a plenos pulmões, com uma pequena luz vermelha a pulsar. Não tive muito tempo para aprofundar a profunda (pleonasmo à parte) falta de lógica: já fiz tanta coisa nesta cozinha com igual grau de frigideira, não se entende o porquê desta queixa súbita e histérica. Atravesso a sala de frigideira na mão (não tentem isto em casa), abro a porta que dá para varanda e ai coloco a fonte do sinistro, longe da fonte do ruído. De seguida abro todas as janelas possíveis e imaginárias (esta casa tem mesmo muitas janelas), abro a porta do quarto, que tinha fechado por causa do cheiro, e também aí escancaro as janelas e, finalmente, a porta da rua, para forçar uma corrente de ar.
O aparelho infernal não pára. Já a imaginar uma invasão de bombeiros, já a imaginar todo o género de explicações - juro que estava só a fazer o jantar, pode ver, ainda está na varanda, tem bom aspecto, não tem? Não senhor, não fumo! - reparo, repentinamente, que há um pequeno botão, uma espécie de uma patilha mesmo ao lado da irritante luz vermelha que pulsa freneticamente. Pego na cadeira, ponho-me em cima, e carrego naquela coisa em desespero de causa. O barulho continua. Carrego novamente, com mais convicção, com muita mais convicção, com a convicção de quem está farto desta chinfrineira e só quer o jantar que lentamente arrefece ao ar livre da varanda.
O aparelho infernal não pára. Desisto, salto da cadeira, quem te disse que aquela patilhazita é para se carregar, se calhar aquela porcaria daquele botão não serve para nada ou então serve para outra porcaria qualquer. Considero pegar nos papéis que me entregaram quando me mudei, com os contactos a utilizar em caso de emergência. Quando revolvo a cabeça à procura do local onde os guardei, sou obrigado a reconhecer que, de repente, tudo parece silencioso. Redirecciono a atenção da procura dos papéis para o aparelho infernal e reparo que se calou.
Pego na frigideira e ponho-a novamente na chapa, mais que não seja para voltar a aquecer as salsichas. Reparo que, na confusão, me esqueci do arroz, que começa a querer pegar ao tacho: retiro da chapa, mexo rapidamente e alegro-me por ver que não chegou a queimar. Ponho tudo no prato, onde já estavam os brócolos. Fecho quase todas as janelas e deixo só as que têm rede mosquiteira. Finalmente janto.
quarta-feira, 20 de maio de 2020
Linearidade
De mau que era a fazer associações, traçava paralelos entre assuntos totalmente ortogonais.
terça-feira, 19 de maio de 2020
À prende avec des gants
Apesar do combate à corrupção, patente em processos judiciais de grande mediatismo, envolvendo altas figuras da nossa sociedade, a verdade é que parece que pouco progresso foi alcançado: nunca se ouviu falar tanto de luvas como agora.
segunda-feira, 18 de maio de 2020
Prisão domiciliária - 69º dia
Primeira refeição num restaurante em meses. A empregada de mesa recebe-nos de máscara (quase não se percebe o que diz), leva-nos para uma mesa socialmente distante. Regressa com uma folha A4 plastificada (e desinfectada), a fazer de menu, e um impresso para preenchermos o nome, contacto, data e hora.
domingo, 17 de maio de 2020
sábado, 16 de maio de 2020
Tell me lies, tell me sweet little lies
«Le genre de fraude qui consiste à avoir l'audace de proclamer la vérité, mais en y mêlant pour une bonne part des mensonges qui la falsifie, est plus répandu qu'on ne pense et même chez ceux qui ne le pratiquent pas habituellement, certaines crises dans la vie, notamment celles où une liaison amoureuse est en jeu, leur donner l'occasion de s'y livrer.»
À l'ombre des jeunes filles en fleurs, Marcel Proust
À l'ombre des jeunes filles en fleurs, Marcel Proust
sexta-feira, 15 de maio de 2020
quinta-feira, 14 de maio de 2020
terça-feira, 12 de maio de 2020
Pombos faquir
Adaptaram-se aos espigões metálicos, colocados nos edifícios, para evitar que aí posem e nidifiquem.
segunda-feira, 11 de maio de 2020
Prisão domiciliária - 64º dia
Quando penso na módica quantia de 35 paus que vai custar o meu corte de cabelo - agendado para a próxima 6a feira, a primeira vaga disponível - comparo o absoluto com o relativo (parar me sentir um pouco melhor): é certo que 35 paus é extorsão pura mas, por quantidade de cabelo que será efectivamente cortado, é capaz de ser dos cortes mais baratos que alguma vez fiz.
domingo, 10 de maio de 2020
As escadas de metal estão perto do canto esquerdo da varanda.
Há uma pequena parte da barreira metálica, que separa a varanda do vazio, que abre como uma pequena portinhola, para um patamar metálico, a partir do qual estão os degraus que levam, passando pelas varandas dos restantes andares até ao chão. Uma estrutura metálica redonda acompanha os degraus, como que fechando quem sobe ou desce dentro de um casulo, desta forma evitando que possa cair de costas.
Pela porta de vidro que dá para a varanda, vejo subitamente alguém: uma miúda, talvez dos seus vinte anos, acabada de trepar escadas acima, ficou imobilizada no pequeno patamar metálico assim que me viu encolher as mãos e levantar os braços, perante a invasão inusitada. Abro a porta e, ironicamente, digo-lhe
Hi
Como se fosse normal cumprimentar cordialmente quem invade a casa alheia. Ficou manifestamente incomodada, desfez-se em desculpas
I just wanted to see what was up here.
que me soa verdadeiramente parvo como justificação. Respondo
My flat.
afirmação dificilmente refutável e com a vantagem de trazer, implicitamente acoplada, a exclamação Clooneana "what else...?". Ela desculpa-se novamente enquanto inicia o processo de descida. Digo-lhe
That's ok
Que é como quem diz, aceito a desculpa, mas não me andes para aí a subir às varandas dos outros.
Pela porta de vidro que dá para a varanda, vejo subitamente alguém: uma miúda, talvez dos seus vinte anos, acabada de trepar escadas acima, ficou imobilizada no pequeno patamar metálico assim que me viu encolher as mãos e levantar os braços, perante a invasão inusitada. Abro a porta e, ironicamente, digo-lhe
Hi
Como se fosse normal cumprimentar cordialmente quem invade a casa alheia. Ficou manifestamente incomodada, desfez-se em desculpas
I just wanted to see what was up here.
que me soa verdadeiramente parvo como justificação. Respondo
My flat.
afirmação dificilmente refutável e com a vantagem de trazer, implicitamente acoplada, a exclamação Clooneana "what else...?". Ela desculpa-se novamente enquanto inicia o processo de descida. Digo-lhe
That's ok
Que é como quem diz, aceito a desculpa, mas não me andes para aí a subir às varandas dos outros.
sábado, 9 de maio de 2020
Autoria
No campo cientifico, as co-autorias em artigos e livros são bastante comuns. Na literatura, parece sequer bizarro pensar numa obra escrita por mais de duas mãos. Na música, há géneros onde as músicas são atribuídas a vários; já na música clássica, fala-se no compositor da sinfonia, do concerto, da ópera, na forma singular (apesar de Rimsky-Korsakov parecer uma dupla eslava) embora, certas peças possam ser interpretadas a quatro ou mais mãos no mesmo teclado. O mesmo com a pintura.
sexta-feira, 8 de maio de 2020
quinta-feira, 7 de maio de 2020
Em ré
O requiem de Mozart é, naturalmente, uma peça em ré menor. Se fosse em dó, seria um doquiem; em mi seria miquiem. Faquiem, ainda mais apelativo para os anglo-falantes. Sibemolquiem. Etc.
quarta-feira, 6 de maio de 2020
Macaquinho de imitação
Nas poucas vezes em que participei (tive que participar) em cerimónias religiosas, senti-me como quando se vai a uma aula de exercício físico pela primeira vez: passei o tempo a olhar para o que os outros faziam e tentei acompanhar.
terça-feira, 5 de maio de 2020
Libre penseur
«À côté de mon assiette je trouvai un oeillet dont la tige était enveloppée dans du papier d'argent.Il m'embarrassa moins que n'avait fait l'enveloppe remise dans l'antichambre et que j'avais complètement oubliée. L'usage, pourtant aussi nouveau por moi, me parut plus intelligible quand je vis tous les convives masculins s'emparer d'un oeillet semblable qui accompagnait leur couvert et l'introduire dans la boutonnière de leur redingote. Je fis comme eux avec cet air naturel d'un libre penseur dans une église, lequel ne connaît pas la messe, mais se lève quand tout le monde se lève et se met à genoux un peu après que tout le monde s'est mis à genoux.»
À l'obre des jeunes filles en fleurs, Marcel Proust
À l'obre des jeunes filles en fleurs, Marcel Proust
segunda-feira, 4 de maio de 2020
Foda-se
No código penal da minha avó, o crime de proferir um palavrão tinha, como sentença associada, a colocação de pimenta na língua. Devia ter-lhe perguntado: e se o palavrão for escrito? Pimenta nos dedos não parece ter grande efeito.
domingo, 3 de maio de 2020
sábado, 2 de maio de 2020
sexta-feira, 1 de maio de 2020
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